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Quando nasce o segundo.

O primeiro filho vira-nos a vida de pernas para o ar, até que com o tempo, rotina e a prática que nunca faz perfeição, o mundo pareça exactamente como deve estar.

A vida muda e se tudo o resto estiver bem, muda para melhor.
Depois engravidamos outra vez, que felicidade.
Mais um bebé.

Quando engravidei do meu segundo filho, a Leonor tinha 2 anos e 7 meses. Olhando para trás, era um bebé.

Já não me lembro quando lhe dissemos que ia ter um irmão e até acho que não dissemos, foi ouvindo. E quando soube que era rapaz contamos-lhe que ia ter um mano.

Fui seguindo, porque pedi, os conselhos das minhas amigas com mais que um filho, li alguns artigos e soube das opiniões dos pediatras para a preparação da chegada de um irmão. Foi das coisas que mais me preocupou em toda a gravidez.

Comprar um presente para o novo irmão dar, deixar que seja o irmão mais velho a mostrar a casa ao mais novo, envolver o mais velho em tudo, tentar não stressar, banalizar o assunto, não fazer disso um bicho de sete cabeças, nunca ninguém ficou traumatizado por ter irmãos mas há muitos filhos únicos que sim, vivem em trauma.
Acho que fiz tudo o que estava escrito mas esqueci-me de uma coisa. A minha filha não está nos livros.


Instantaneamente amou o irmão mas também o odiou. Arrancou-lhe um bocado de pele da cabeça, apertou-o, bateu-lhe com uma escova, beliscou-o.
Acredito que praticamente tudo isto se deveu ao facto de aquele ser, que eu disse que ia andar com ela de baloiço, que iam ser os maiores amigos, que iam brincar juntos, pura e simplesmente não se mexia.

Depois o mais importante, eu.

Como todas as mães era (e sou) absolutamente ligada à minha filha. A nossa relação é especial. E podia falar eternamente sobre este sentimento mas seria absurdo tentar definir o amor que tenho por ela que é igual a tentar definir o amor que se tem por um filho, que é maior que tudo, que é gigante, que ultrapassa o coração. a lógica, o bom senso, o espaço.

A nossa relação era a nossa, de nós as duas, das nossas rotinas, dos nossos abraços e beijos e mimo.

Habituada a estar muito tempo comigo e muitas vezes só comigo, a nossa ligação era absolutamente única e especial. E foi em mim - e bem - que ela descarregou.


Os 20 dias seguintes ao nascimento do meu segundo filho foram o tempo mais caótico e talvez cruel da minha vida. Não a conseguia vestir, dar jantar, dar banho, beijinhos, pentear, estar, rir, conversar. Só queria o pai.

A tudo respondia em tom de menina mal educada e mal encarada, com má atitude. Via-a triste e ao mesmo tempo exuberante.

A gestão era entre querer que fizesse parte da vida e das rotinas do novo irmão, estar sozinha com ela numa logística muito difícil e gerir a habituação entre mim e ele; entre mim, ele e ela; entre eles os dois; entre eles e o pai; e o pai com cada um. Esta quantidade de relações que cresce com a chegada de um irmão é absolutamente avassaladora.


Depois a gestão emocional, em que de um lado, estava eu afogada em hormonas que faziam bem demais o seu papel, o bebé, puro, absolutamente inocente, novo no mundo cá de fora, a precisar de colo e eu a precisar de lhe dar colo, proteger, cuidar. E ela, com 3 anos e pouco, minúscula a tentar gerir aquilo tudo num misto de carência e agressividade sem saber como reagir. Eu a querer controlar aquele novo mundo basicamente perdida e a tentar tudo ao mesmo tempo.

Um dia e muito drasticamente, tudo mudou e ela voltou a ser a mesma. O comboio passou. Tirei de cima a pedra de mármore e respirei. Consegui abraçar os dois, ser mãe de dois, dar banho a dois, jantar a dois, vestir os dois. Amar (tanto) os dois.

Sim, às vezes ainda tem ciúmes, mas ele também, ainda precisa de estar só comigo mas também eu preciso, ainda chama a atenção, ainda pede colo (graças a Deus), ainda diz agora sou eu, primeiro eu e depois o mano. Quer a bolacha maior, escolher primeiro a cor do prato. Mas a isto chamo apenas, ser irmão.

Aprendemos com o tempo a ser uma família de quatro e o que há um ano parecia um absoluto caos com difícil resolução hoje é absolutamente natural. O cliché é verdadeiro e o amor não se dividiu, multiplicou-se.

As rotinas demoram a estabelecer-se mas a cada dia que passa já não nos lembramos de como era antes. Eu lembro-me da minha vida sem ele, mas não a prefiro e ela não se lembra da vida sem o irmão e adora-o. E ele, ele tem a vida que conhece.

Talvez seja por isso que se banaliza a chegada do irmão. Porque se torna tão natural que nos esquecemos que foi duro.

Continuamos a ser eu e ela muitas vezes, não tantas como as que queria, a ter a nossa cumplicidade e ela continua a ser a minha filha especial. Hoje e para sempre.

Comentários

  1. Tal como descreve, para mim, que estou grávida do segundo filho, esta é a questão que mais me preocupa. Também farei tudo by the book, para tentar minimizar eventuais "danos colaterais", mas concordo consigo quando diz "a minha filha não está nos livros". Obrigada pela partilha, não há muita coisa sobre este tema - comparativamente com tema "primeiro filho"!

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    Respostas
    1. Mia, que corra tudo bem. Um grande beijinho e depois se puder diga como correu. :)

      Eliminar
  2. Que lindo texto , parabens. Sou criticada quando digo que so quero ter um filho , neste caso a minha menina que está quase aí , mas eu acho tao legitimo como ter dois ou tres ou nenhum. sao escolhas. Talvez eu é que nao tenha coragem para ter mais que um , talvez um dia mude de ideia , quem sabe ...
    Parabens pelo filhos lindos e pelo trabalho maravilhoso que faz ao cria-los ... porque o que me deixa triste muitas vezes é ver as maes que ao terem o segundo esquecem-se que o primeiro ja existia , e tambem precisa de amor carinho e atençao . Nem toda a gente tem essa capacidade ! Bjs

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