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80 porcento.

Fico muitas vezes sozinha com os meus três filhos. Diria que 80 porcento dos nossos dias são, infelizmente, passados a quatro.
Houve alturas muito difíceis e muitas vezes, quando pensei ter quatro filhos peguei nesses momentos e obriguei-me a pensar, a pesar, porque embora sejam parte de uma fase passageira são imensamente solitários e difíceis. As memórias que tenho desses inícios são sempre muito presentes em mim. E na verdade, foram tempos muito duros. 
Quando a Leonor nasceu, a um sábado, 5ª feira o meu marido estava a trabalhar não porque quisesse. O Zé Maria a uma sexta e eu dava graças a Deus por ter logo ali o fim de semana que nos deixava ter tempo nosso e sem (grandes) interferências, e mesmo assim ele foi trabalhar 3 dias depois, a uma terça. A Luísa nasceu a uma terça feira e na sexta ele estava a ir para o escritório. 
Tenho uma fotografia desse dia, que já vi muitas vezes completamente descabelada, a dar de mamar com os outros dois com 2 e 4 anos em cima de mim, de nós e eu completamente dormente e feliz e estafada e neste e no outro mundo ainda dorida por dento e por fora, fora de mim e a tentar estar em todos. Chegar a todos, ser de todos. Sabia lá de mim, quem era, como estava, o que sentia. Nem sequer me passava pela cabeça olhar para dentro. Por fora nem sequer existia. Andava ali nas nuvens e no céu e a ter que ter que segurar todos, em terra o mais firme que (me) fosse possível. 
Depois esses tempos passaram e tudo se torna estupidamente fácil, mecânico, sem grandes coisas. Parece mentira mas não. Passa. Todos se tornam parte do dia. Ao mesmo ritmo. 
Mas às vezes ainda me sinto injustiçada nestes nossos 80 porcento. Às vezes ainda acontecem coisas fora do esperado e do normal que me deixam desorientada a tentar chegar a todos e a sentir-me incapaz de o fazer. São cada vez mais raros esses dias mas ainda existem.
Hoje senti-me assim. Por um motivo muito menos importante que um recém nascido a mamar. Não consegui gerir as necessidades de todos. 
Nunca fui a melhor aluna apesar de não me lembrar nem sequer saber como era nos primeiros anos, primeira, segunda classe, por aí em diante. 
A Leonor, embora não sinta qualquer pressão em casa e pouca  na escola, gosta de ter boas notas. Fica ansiosa antes dos testes e fica feliz com os seus Muito Bom. 
Não posso fechar os olhos a esta sua característica. Sei, que é exactamente a partir desta idade que as raparigas se começam a sentir menos inteligentes e capazes que os rapazes e eu quero que ela sinta que é pessoa para tudo. Capaz do quer que seja. Essa é a minha obrigação como mãe, responder sempre às suas necessidades dentro do que é normal e esperado.
Amanhã há prova global ou de aferição de Matemática, 2º ano que para mim interessa tanto como um documentário sobre mecânica mas para ela é importante. Queria ir preparada. Resolvi estudar com ela depois do jantar, que foi cedo e senti-me exactamente da mesma maneira que no dia da fotografia. 
Lá acabámos por conseguir estudar metade do que seria suposto e não sei sequer se ela amanhã vai preparada ou o que é ir preparada. Fiz o discurso todo mas não nos senti em terra firme. Estavam todos com necessidades diferentes e eu continuava a ser só uma. 
Ela deitou-se bem, os outros foram sendo empurrados para as obrigações do chichi e dos dentes e da cama e estava aquele ambiente que sei que todas as mães reconhecem em que as coisas vão acontecendo à pressa, que eu odeio. Depois rezei, agradeci, pedi pela família, pelos amigos, pelo dia de amanhã. 
Vim para a sala sozinha e respirei fundo. 
Um bocadinho zangada por ter passado por este final de dia/noite sozinha, como dantes e como quase sempre em que não consegui tomar as rédeas de tudo. Mas também muito mais segura de mim, com a certeza absoluta que não traumatizei ninguém, nem tirei bocado a ninguém e que a nossa dinâmica é assim, longe de ser perfeita. Que a Leonor terá que se contentar com o Bom Mais. 
E eu às vezes, muitas vezes, com o Suficiente. 

Comentários

  1. Eu também estou grande parte do tempo sozinha com os três filhos (3, 6 e 9) e são muitos os momentos em que sinto que não chego a todos, que não tenho o tempo suficiente para lhes dar toda a atenção que precisam. Mas lá vou conseguindo gerir, com muita ginástica e imaginação... aceitando as imperfeições e tentando fazer melhor

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  2. Foi mais ou menos assim o meu fim de dia... ❣️

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