Tinha à volta de 40 anos quando se começou a aperceber da vida. Ao mesmo tempo que parecia cedo, também lhe parecia tarde.
Até lá, corria tudo com mais ou menos problemas, mais ou menos histórias para contar. Todas essas pequenas histórias se juntaram naquele dia para lhe mostrar a pessoa em que se tornou. Não era mal nem bem. Era aquilo.
Cada bocadinho de história ia dar ali. A um corpo. Custava estar de frente para si mesma e pousar em cada assunto de si. Tinha de ser. Era hora. Aquele momento parecia-lhe uma corrida de carros, cada instante a passar mesmo ali à sua frente.
O nascimento, a sua infância, a morte dos avós, separações, mudanças, casamento, filhos, trabalho… Um atrás do outro a juntar-se em monte numa só pessoa.
Parecia-lhe muito. Não demais, mas muito.
Percebeu também que cada memória tinha um peso e era perfeitamente capaz de as dividir. As leves acabavam por ser as que ocupavam um espaço mais importante, as gargalhadas, os passeios na praia, as coisas que não se compartimentam nitidamente na memória mas num bocado amplo de recordações. As mais pesadas, os grandes acontecimentos, dividiam-se individualmente e em espaços próprios e apertados.
Queria muito abrir essas caixas, pensou.
Cabiam ali algumas dores que não precisavam de ser guardadas em espaço algum, podiam ir. Podiam dar lugar.
Cabiam medos. Cabiam acontecimentos daqueles que a infância guarda e que a vida adulta mantém.
Cabia vida a mais para um só corpo.
Tudo aquilo desabou num alívio. Agora era tempo de abrir todas as caixas, uma a uma, para as devolver aos seus momentos e poder abrir espaço para tudo o resto.
Nota: Este é um texto fictício baseado em factos reais que faz parte de uma série de episódios.
Maravilhoso, quero mais ❤️
ResponderEliminarMaravilhoso! Cá estarei para ler todos os episódios ❤️
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