Atravessou o corredor a medo. Era isso ou acordar novamente a irmã. O corredor era tão escuro que lhe parecia impossível a uma criança.
As tábuas faziam-se notar a cada passo e ela preferia atravessá-lo em pressa do que se demorar por ali.
Deviam ser uns 4 metros que lhe pareciam 12. Respirava fundo e ia de olhos fechados como se isso a protegesse do medo. O medo era de nada. Só do escuro, do desconhecido, do caminho, de não saber o que estava do outro lado.
Mesmo já tendo passado ali com a luz do sol.
Quando chegava era bom e era mau porque era obrigatório voltar. Já sabia que nada se passava e que era só um caminho e mesmo assim voava para chegar o mais depressa possível.
No dia a seguir era igual.
Todos os dias.O mesmo corredor escuro. Todos os dias a luz da manhã a fazer esquecer a noite.
As manhãs serviam para lhe descansar a alma e se rir de si mesma. Tinha a certeza que à noite não haveria medos porque estava tudo ali, tudo o que era para existir, tudo o que fazia realmente parte daquele corredor comprido.
Gozava consigo mesma como se visse de fora. Que ridícula. Era absurdo ter medo de um corredor comprido. Era absurdo temer o escuro e atravessar uns metros da sua própria casa. As tábuas eram velhas, as sombras eram dos vasos e das floreiras e dos bibelots. Não havia nada a temer. Prometia a si mesma todas as noites ganhar a coragem que não era precisa para ir até à outra ponta da casa.
Seria de esperar que com todas as manhãs de clarividência não fosse preciso dizer nada.
Demorou uns anos a perceber que aquele corredor fazia parte de um processo e que aquilo tudo era um acto de coragem.
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